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[parte 1/7] Alquimia, Individuação e Ourobóros: Introdução

Atualizado: 21 de mar. de 2022

“Os Alquimistas estão chegando…” – Jorge Ben


Introdução

O homem que volta ao mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem. Esta suma de Heráclito define bem a constante transformação do indivíduo e denota como a transformação é um aspecto presente, tanto no homem quanto na natureza. As coisas fluem, mudam, se transformam e transmutam.

Assim é a consciência, um sistema em constante transformação, porém, com que finalidade?

A vida humana é calcada por ciclos. A primeira infância, segunda infância, puberdade, adolescência, juventude e vida madura são as etapas comumente conhecidas no desenvolvimento humano. Simbolicamente, cada ciclo pode ser interpretado como uma nova vida, e o fim dos ciclos como uma morte. A vida, morte e ressureição, são então, etapas arquetípicas do desenvolvimento psico-espiritual, no qual, para atingir um novo nível de consciência, é necessário realizar sacrifícios e abdicar dos antigos paradigmas da consciência, se integrar, mudar e melhorar.

Eram estes sacrifícios que permeavam a vida dos antigos (e dos contemporâneos) alquimistas, que buscavam, em seus laboratórios, a obtenção da pedra filosofal, do elixir da vida.

Ao longo de sua prática clínica, o psicólogo suíço Carl Gustav Jung percebeu uma correlação entre sonhos de seus pacientes com figuras alquímicas, e a partir daí, traçou diversos paralelos entre as metáforas alquímicas com o processo que denominou individuação (JUNG, 1999).

Foi averiguado os paralelos entre a opus alquímica e o processo de individuação, investigando o significado desta imagem rica em simbolismos do Ourobóros. Através do método de amplificação e de levantamentos bibliográficos, foram analisadas obras filosóficas e acadêmicas que explicitavam a simbologia desta imagem arquetípica, suas correspondências dentro da simbologia alquímica e as respectivas analogias com o processo de individuação descrito por C. G. Jung.

Para Chaise e Viana (2011), o método de amplificação foi introduzido em 1912 na psicologia por Carl Gustav Jung em seu livro Símbolos da Transformação (JUNG, 1986), denotando a ruptura entre Jung e a psicanálise, cujo objetivo era “libertar a psicologia médica do viés subjetivo e personalístico que caracterizava sua perspectiva (…) e tornar possível à compreensão do inconsciente como uma psique coletiva e objetiva” (CHAISE E VIANA apud JUNG, 2011).

Ressaltam ainda que a amplificação promove associações diretas da consciência frente a uma imagem, conteúdo ou símbolo explorado, cujo nome é circumbulação, ou seja, um movimento circular em torno de um ponto, o próprio método é o uma manifestação ourobórica. “A amplificação consiste simplesmente em estabelecer paralelos” (JUNG, 2008).

Estende-se ao ponto de considerar aspectos coletivos através de experiências individuais, recorrendo a fontes de cunho cultural, histórico, mitos e filosóficos, afim de “ampliar o conteúdo metafórico do simbolismo” (JUNG, 2008). Os símbolos como manifestações individuais são retirados deste contexto através de imagens arquetípicas, conceito melhor elaborado nos posts seguintes, mas que se resumem como a manifestação do arquétipo na psique, não o representando completamente, mas sugerindo seu potencial.

Portanto, a amplificação é executada em três fases distintas: a primeira seria o contato com o símbolo e as observações experienciais do analisado; a segunda é a etapa de amplificação coletiva, onde se pega um símbolo específico e o associa com outras imagens arquetípicas, e por isso pode ser denominada de objetividade da imagem; a terceira e última é o retorno ao subjetivo com o auxilio das analogias universais, em outras palavras, o símbolo – primordialmente individual – manifestado, passa por uma variedade de possibilidades significativas através da associação com a coletividade, após essa etapa, ele necessita do indivíduo, que utiliza como parâmetro o reconhecimento afetivo dentro dos aspectos coletivos para dar sentido ao símbolo.

Entende-se que “qualquer estudo simbólico leva em conta duas vertentes, a individual e a coletiva” (JUNG, 1999).

Sendo a primeira carregada de impressões pessoais do indivíduo e a segunda o repertório de arquétipos da humanidade.

De acordo com Denise Ramos (1990), no passado, o método utilizado na interpretação dos processos e dinâmicas mente-corpo eram feitos de forma reducionista e causal, derivada de uma visão cartesiana e newtoniana, e que, com o passar do tempo, frente a fenômenos como a globalização, a inter-relação de fatores, surgiu a necessidade do desenvolvimento de uma visão holística e simbólica para compreender os fenômenos da saúde.

Neste sentido, a presente reflexão, fundamenta sua base metodológica como forma de ampliar a percepção dos pesquisadores e o estudo comparativo de sociedades e religiões para uma compreensão mais integral da saúde. É percebido que, a base do adoecimento, para inúmeras religiões, era a saída do indivíduo de seu eixo divino (a etimologia da palavra religião é religar, ou seja, estabelecer uma [re]conexão com o divino), e por isso, a enfermidade, nesse contexto religioso, é encarada como uma oportunidade de desfazer esta desarmonia interna.

A compreensão dos aspectos religiosos e simbólicos na psique se mostram, portanto, de grande importância, uma vez que possibilitam o melhor entendimento da subjetividade humana, permitindo, por exemplo, melhorias na saúde do indivíduos.

Denise Ramos (1990) nos introduz aos cientistas precursores do símbolo como um organizador e centralizador da psique: C. G. Jung e G. Groddeck, sendo este último o defensor da doença como um sinalizador da psique de que alguns aspectos internos precisam ser expressos, ou então, expressados de uma nova forma. É de interesse a percepção junguiana do processo, que percebe a doença como uma manifestação do processo de individuação. A autora ainda define como um dos principais conceitos que orientam essa afirmação, a intermediação de um terceiro fator na relação psique-corpo: o símbolo.

O equilíbrio dos opostos seria uma finalidade natural da psique, e essa integração ocorre quando se percebe diferentes níveis de corpos, físico, onírico, sutil, e a manifestação dos arquétipos que ocorre através destes. Quanto maior a capacidade do ego em organizar tais estruturas, mais repertório este poderá desenvolver para enriquecer a troca com o self, e por conseguinte, a manifestação do corpo será mais harmoniosa e menos ‘doente’.

O símbolo estaria carregado com os significados arquetípicos de uma forma apresentável para o ego, e seria então o terceiro fator da relação psique-corpo, um intermediador que facilitaria o equilíbrio e manifestação da individualidade, possibilitando uma vida menos sintomática. Uma vez que a psique tem dificuldade de perceber e atuar com diferentes polaridades, a doença de manifesta como uma forma de chamar a atenção para a unilateralidade da psique, e convidá-la a integrar outros aspectos.

A apercepção do universo do simbolismo se torna uma das principais ferramentas da psique, e dos interessados em compreendê-la. As religiões, carregadas de informações simbólicas, ajudam o homem a se religar com sua própria natureza e com uma expressão sadia do Self, permitindo uma forma mais natural e fluída de expressão da personalidade. Toda manifestação de doenças exigiria, também, uma compreensão e investigação simbólica, que facilitaria a dissolução da mesma.

Em síntese, considera-se que o paradigma social de unilateralidade, manifestado entre outras esferas, na psique, produz adoecimentos nos indivíduos, em níveis mentais e físicos.

Através do método de amplificação, que consiste ressaltar as impressões individuais acerca de um símbolo, em seguida associá-lo com outras imagens arquetípicas e por fim resignificá-lo a partir dos vieses individuais e coletivos será analisado o símbolo arquetípico do Ourobóros e suas correlações com os processos alquímicos e a o conceito de individuação de Jung, permitindo uma maior compreensão do processo de individuação e a potencialidade da alquimia como forma de integrar a psique.


Referências Bibliográficas:

CHAISE E VIANA. Validação do Projeto: Mutus Liber. Disponível em: https://translatioanimae.wordpress.com/.14/05/2013

JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Obras Completas. Vol. IX/I. Petrópolis. Ed. Vozes. 2011.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e Alquimia. Obras Completas. Vol. XII. Petrópolis. Ed. Vozes. 2009.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da Transformação. Obras Completas. Vol. V. Petrópolis. Ed. Vozes. 2008

RAMOS, Denise Gimenez. A Psique do Coração: Uma Leitura Analítica de seu Simbolismo. São Paulo. Cultrix. 1990.

Imagens: “Heraclitus” de Johaness Moreelse (1630) Ourobóros em antigo livro de Alquimia “Melancolia I” obra de Albrecht Dürer (1514)

Ricardo Assarice é Psicólogo, Reikiano e Escritor. Para mais artigos, informações e eventos sobre psicologia e espiritualidade acesse www.antharez.com.br

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