top of page

Discurso Silencioso


Diante do marasmo dali, Ele empedernado com tudo o que lhe ocorria não custou em debandar-se. Levantou-se de dentro de um turbilhão intelectual que não lhe permitia descanso. Saiu sentindo um peso no corpo como se carregasse pesados tomos de teorias e defesas, uma verborrágica e frenética alienação do excesso. Deixou atrás de si uma casa aberta, suja e aberta, não tinha tempo pra nada diante de tantas influentes opiniões pesadas em sua mente, constantemente. Sua barba longa denotavam o teor do discurso que de tão forte ‘encimentou’ as bases de uma robusta construção intelectual. Foi durante os passos que ele ao observar-se andando percebeu um estranho silêncio. Entre, no começo, das longas frases Ele via que respirava. E respirou. Entre uma esquina suja que Ele dobrou vendo árvores sujas da cidade em meio ao calor do verão Ele andou. Respirou. Diante de uma banca de revista Ele olhou, estranhamente, somente as variadas faces a se rangerem nos ossos expressando coisas. Andou e respirou. Já diante de uma contrarresposta de sua mente Ele olhou o mar além do marco-zero e parou. Respirou, olhou, devaneou silenciosamente. Aquilo era novo, estranho e belo. Simples e discreto. Não havia resposta por que a pergunta nunca era deflagrada. Mas uma enxurrada de ideias lhe afogou empurrando-o ao andar. Aquilo já vinha de anos a fio sugando até a última faísca de paciência. E por já não te-la se calou. Calou-se desta vez de uma maneira tão intrigante que silenciou. Sua mente não intervia na absorção de coisas que lhe eram jogadas a cada segundo daquele domingo estranho no centro da cidade, beirando o mar. As pessoas, transeuntes que iam e vinham. Os pombos e cachorros, carros e bicicletas, barracas e dinheiro. O brilho da luz tardina que lhes esquentava as ancas doloridas das paredes duras da dúvida estava agora sendo deliciosamente saboreadas. O suor agora lhe descia estrondando o mundo, mas só ele escutava. Levou a mão ao rosto e limpou. Logo após saboreou seus dedos grossos , flagelados. Foi assim que sorriu para uma mulher que passava. Esta que caminhava, agora acautelada pelo flerte inocente, sorriu sem querer. Ali nascia o discurso do silêncio. Mais um passo, o som do carro. Um cachorro ao longe, uma criança esborrachando-se no chão. Alguém correu, Ele olhou o mar. Um e outro brincante, transeunte inadvertido, lhe fitara o sorriso indo em frente sem muito o que dizer. Ele olhou o mar. Chiando nas pedras ao longe, pedras das quais Ele já se sentia nelas. Olhando agora só o mar. Mas Ele estava ali andando. O corpo abaixou-se num gesto rápido, Ele olhou de soslaio querendo ver o mar e viu a criança chorando que seu corpo já acalentava.

 – Cuidado. Levante… vamos, você consegue.

Estranho como Ele não controlava nada disso. Ele simplesmente via o mar e agora o choro. Então o mar chorava um ronco grosso e Ele nas pedras se assustava. O corpo voltou-se ao pai que se aproximava e sorriu levando a mão da criança ao encontro. O pai agradeceu. Ele sorrindo já estava, olhou de volta para o mar. Um silêncio tão ruidoso que lhe acariciava o pensamento. O corpo simplesmente agia carregado de sentimento. Ele não precisava mais temerosamente avaliar seu peso, seu gesto, pois o discurso silencioso estava por perto. E sentiu dos ombros os tomos evadirem-se. Sentiu nas pernas uma moleza sanguínea que lhe lançava ao nado. Neste instante, beirando o caso… Ele parou. Respirou o ar daquele verão. Gozou a sensação da queda em sua imaginação sempre presente, reafirmou o passo voltando para casa e já meio que ausente pela leveza estranha da qual se apoderara já pensava em mais nada. Vivia agora seu discurso silencioso, o discurso do corpo que age sem temer. Não havia mais por que atormentar-se, quando já não mais suportava o afogamento deixou-se voltar à superfície extasiado. Claro que esse momento estranho já não é mais fato. Este como sendo tão humano prestou a correr com o tempo, ao seu lado. Implicou no agora sem recortes ou sobras. Sua mente fundida ao pulsar instintual da vida desinibia-o a ser somente. Diante de tantas coisas que absorvemos, meio que ‘dementificando-nos’ abusivamente, este é só um conto perene. O ato diante do inevitável não será nunca mensurável. E nesse engodo que chamamos de individualidades, nos perdemos nas coisas poucas que só demonstram habilidade, habilidade cognitiva, da racionalidade. O que vivemos aqui não fora um mero caso ausente de significados, mas foi justamente perder os significados que o ar voltou aos pulmões tensionados. Quando o corpo alcança a superfície num estouro aperreado, aquele segundo estranho do ar que volta, é somente ar que volta; Ele é somente ar.

8 visualizações0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page