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Diário de bordo… primeiro registro.


Em dois dias presenciei acúmulos mil de infinitas cargas emocionais. Fomos ao encontro da força que está impregnada em tudo ao redor. Reunimo-nos com um propósito em comum, o de comungar com a natureza, fogueira, cogus, árvores, terra, um lago próximo que chamam de açude não sei por que. Gigante é a fronteira que nos separa do que somos e do que nos forçamos a ser.

Chegamos ao local já era noite. Pessoas novas no círculo sempre dão a impressão que podemos ensinar-lhes algo, mas esse algo eles já sabem ou pelo menos deveriam e ensinar-lhes algo é em si deveras presunçoso. Organizamos os pedaços de madeira e ateamos fogo. O frio da região já demonstrava que poderíamos ter dificuldades de nos concentrar. Apagamos a luz já que tínhamos várias fontes naturais como a lua cheia no céu entre as nuvens finas a desenharem os nossos sonhos. Em poucos instantes tomamos a porção mágica e esperamos comedidos. De início o silêncio fazia-se presente, entrecortado por palavras soltas de um ou outro. Nada de novo. A chama bailava ao prazer do vento enquanto a madeira chiava um pouco mais que os nossos pensamentos. Em poucos instantes já sentíamos o diáfano preenchendo-se de matéria plástica. Os olhos fechados permitiam que as luzes dentro de nossas mentes criassem formas variadas. Um e outro falava e eu voltava à realidade. Esse ponto me incomodou deveras, não poder ter silêncio factual por distração da vontade alheia. Uma dica preciosa é a que nos alerta que quando não temos algo importante para dizer, permaneçamos calados.

Essa insistência em se fazer notar com a boca era torturadora demais para deixar por menos, no entanto permaneci discreto nas minhas críticas e fiz o que não queria, participei da conversa, esperando que os diálogos ao menos diminuíssem. Não há uma regra num livro que determine o silêncio sepulcral que talvez imaginamos quando pensamos nos templos ocultos do passado. O que há é um mísero bom-senso que deve reinar quando o assunto são os reinos internos. Há de se tirar várias questões disso tudo. Foi então que percebi que a forma ali, naquele instante era a distância. Mas isso incomodou, pois o prazer de estar ao lado da fogueira e suas ondas de calor acolhedoras era muito mais forte. Foi então que o diálogo não mais cessou. Curiosamente eu reconhecia um questionamento comum nas palavras, afirmando a dificuldade de perceber a força, de alçar voou. Ri por dentro. Como haveria possibilidade disso, se a mente estava cheia de coisas a se trabalhar? Como desprender-se da realidade se esta não saia da boca em forma de críticas à sociedade, aos costumes alheios, às forças opressoras da máquina do estado. E eu ria entristecido por dentro vendo que o exemplo do meu silêncio era desconsiderado. Abri algumas vezes a boca entrecortando a fala alheia com questionamentos e afirmações estranhas: “E a chama fala?”; “O que diz a noite?”; etc… E me vi surrupiado pela indelicadeza alheia, principalmente quando cortavam o silêncio, o pouco silêncio com piadas que perdiam sua graça por estarem fora do lugar. Eu olhava taciturno. Sentindo o desenrolar da força por dentro de mãos atadas pelas línguas incautas e alheias. E era muito interessante como minhas críticas discretas não eram digeridas. O que desejavam era somente regurgitar o que lhes vinham à mente. Para repetir as palavras dizendo algo que suas próprias ações já justificavam o não funcionamento. Triste de fato. Foi assim que cansei e desencanei. Calei-me totalmente, não via mais prazer em falar. Em sugerir um mísero cinco minutos no vazio dos sons noturnos. Fiquei entristecido por não conseguir me embalar na noite que brilhava branca nos pastos.


Um tanto quanto antes disso fiz algo que nunca tinha feito. Pensei em meu corpo e me alonguei por um bom tempo. Esquentei meus músculos e tive um retorno positivo deveras. Fiz isso por perto dos outros já para incentivá-los pelo exemplo. Um aproximou-se e deixou seu constrangimento natural de lado, que todos temos nesses momentos e participou a sua própria maneira. Outros já não viram tanta necessidade. Um percebi sentir-se retraído e ficou distante. Acho esse constrangimento extremamente natural, visto que estamos despidos ao ingerir tais porções. Despidos dos maneirismos habituais que vestimos no dia a dia. Isso não é fácil, nem ao menos para mim que já me aventuro nesses universos há certo tempo, não é fácil. Passado então esses momentos de alongamento e das conversas infindas me deparei com o óbvio, era preciso lançar-me na noite, entre as árvores para ter de fato o sossego que desejava. Peguei meus instrumentos e me preparei da melhor forma. Ingeri mais e sai calado por entre os vultos. Vi um pelo caminho resguardado num lugar afastado. Teve a ideia antes de mim e refugiou-se discreto. Não falei, não é preciso alertar os sons dos passos. Segui meu rumo. Ao longe permaneci conectado, envolto pelo frio noturno das serras daqui. Tracei no ar quatro estrelas de fogo. Dancei sobre uma e do alto reivindiquei às forças meu próprio bailar. Foi quando enfim consegui me dissipar. Destravar os cadeados e surfar no mar etéreo. Lancei-me para longe, bem longe de tudo ali. Fiz isso, depois de tanto relutar, pois imaginei ser interessante lançar aos olhos alheios que na maioria das vezes já temos as respostas das nossas dúvidas e dos nossos medos. Não é fora que vamos encontrar. Fiz isso, pois o meu último ato ali ao lado das chamas fora um cântico que brotou em mim. Agachei-me ao lado da fogueira elevando minhas mãos até a altura de minha testa, nada discreto, bati as palmas em um volume até baixo, segui cantando o meu mantra intuído do vento. Segui em frente em meio a milhões de imagens que me invadiam. E mesmo assim, todos conversavam ao lado, sobre passeatas, sobre politicagens, sobre jogos, e tantas coisas mil. Um destes levantou-se e insistiu em me perguntar se eu queria comer. E pela primeira vez consegui trabalhar com as duas realidades sem dissolver meu próprio voou. Fiquei como estava, cantarolando o que me brotava dentro e escutei novamente sua pergunta: você quer comer? Eu continuei calado e só assim este percebera que se eu quisesse teria me levantado e ido comer. Curioso como isso tudo, todo esse descuido destes, toda essa insensibilidade é por algo muito simples. Por não darem valor ao que guardam dentro de suas próprias cabeças acabam por não conseguirem controlar suas ações aqui fora. E nem ao menos terem um mísero bom-senso, ou ao menos uma fagulha de reflexão. É muito mais fácil falar, rir por rir, e continuar a falar e deixar de vivenciar o reino interno. Talvez seja interessante numa próxima vez argumentar sobre a vivência e o que de fato isso deveria significar. No segundo dia já não houve esse problema de descontrole bucal. Mas o som dos festejos juninos nos outros sítios criaram em alguns momentos críticas variadas, mas dessa vez cessaram peremptoriamente. Disso não há do que reclamar.

Por fim agradeço aos amigos que me chamaram, que participaram, que viveram comigo nessa experiência. Agradecido aos erros destes que me fizeram pensar nos meus próprios erros. E lembrar que independente dos problemas a própria jornada cuida em nos ensinar o melhor meio para alcançar seus tesouros. Seja agora ou depois, basta que estejamos alertas e abertos para as opiniões e experiências alheias.

Djaysel Pessôa

S.O.Q.C.

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ATENÇÃO: para todo ato de envolvimento com a Natureza é extremamente necessário responsabilidade. Em momento algum tento por meio deste texto levar a crer que a utilização de substâncias é algo simples. Antes de mais nada requer de quem se utiliza extrema maturidade. Em nenhuma circunstância deixo crer que isso aqui é um puro lazer. Essa experiência é com o único objetivo de desenvolvimento pessoal, estudo e que faz parte de todo um conjunto de práticas das quais me utilizo para alcançar outras percepções. Isso não é lazer e não me atenho aqui a tratar desta questão. A utilização de cogumelos para expansão de consciência é uma ciência em si. Qualquer erro na sua utilização e preparação, ou mesmo na escolha do fungo poderá levar o indivíduo à morte. Há informações mil pela internet, mas estas não substituem a experiência. Se vai arriscar por arriscar fique em casa lendo um livro. Isso não é brincadeira de final de semana. A espiritualidade é um bem inestimável e requer sempre foco e competência.

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